Wednesday, June 24
Férias de verão sem Solidão
Tuesday, June 16
A última fronteira
A dez mil metros de altitude e com o céu limpo, durante a noite, parece que toda a floresta se prepara para arder em chamas. São as queimadas, quase todas sem licença nem controlo, com que os sem-terra ou os grandes produtores agrícolas vão devastando, dia após dia, extensas áreas da selva amazónica para a converterem à agricultura. Há qualquer coisa de profundamente inquietante naquele espectáculo de centenas ou milhares de fogueiras ardendo lá em baixo: o pulmão do planeta arde, enquanto os chineses esperam pela soja ou pelo gado que ali há-de nascer e ser criado, onde antes havia a floresta tropical.
Por estes dias, o presidente brasileiro Luís Inácio 'Lula' da Silva tem na sua mesa uma proposta do Congresso, a MP 458, que, se obtiver a sua assinatura, representará um retrocesso de trinta anos numa política já de si bastante condescendente de preservação da mata amazónica. A proposta, assim como a situação actual na Amazónia, foram, a semana passada, alvo de uma condenação violenta e concertada de todas as organizações ambientalistas mundiais e brasileiras, com o WWLF e a Greenpeace à cabeça. Mas 'Lula', é fácil de perceber, está mortinho por assinar a lei. No seu espírito, não se trata de uma luta entre os 'ruralistas' e os ambientalistas, mas entre os sem-terra e os radicais ecologistas. A Amazónia é grande e Lula não vê grandes razões para que ela não vá sendo amputada aos poucos para satisfazer a "legítima ambição" dos 25 milhões de brasileiros que vivem nas margens da grande floresta, ansiando por uma oportunidade de terra, de criação de gado e de fixação na zona. E 'Lula' compreende bem o que lhes vai na cabeça: basta-lhe recordar-se do seu passado de "emigrante do pau-de-arara", fugindo com a mãe e os irmãos de um Nordeste onde só havia seca e fome para vir procurar outro futuro nas grandes cidades. Esse futuro ele encontrou-o, como trabalhador metalúrgico, sindicalista, deputado e, finalmente e contra toda a previsibilidade, Presidente da República. Tem sido, na minha opinião de observador externo, o melhor Presidente que o Brasil já teve desde a ditadura dos generais, mas é demasiado esperar dele uma visão política que vá além das satisfação, a qualquer preço, das necessidades básicas daqueles que lhe são próximos. O 'povo' de Lula é o que quer uma oportunidade, uma terra para cultivar e criar gado e, se isso, além do mais, favorece a balança comercial e dá de comer a mais gente, porque não há-de a Amazónia pagar a factura? Só nos dois primeiros anos do Governo Lula, em 2003 e 2004, 51.000km2 da floresta amazónica foram ocupados por 'posseiros', à revelia da lei. São esses invasores que a MP 458 vem agora regularizar, permitindo-lhes adquirir, a preços favoráveis, sem licitação e com condições de pagamento excepcional, as terras que eles roubaram ao património colectivo brasileiro que é a Amazónia. Mas não se pense que são apenas os pequenos agricultores sem terra os beneficiados: são todos, as grandes empresas produtoras de gado, os grandes fazendeiros agindo a coberto de testas-de-ferro, gente que nem sequer vive na Amazónia e que bem podiam dedicar-se à criação de gado em tantas outras extensas regiões do infindável território brasileiro. Só que o ecossistema da Amazónia - justamente devido à presença da floresta maciça - garante condições de fertilidade dos solos que são uma tentação a que ninguém resiste. Não resistem os que lá vivem, os produtores de gado e os políticos locais, os tais 'ruralistas', que dependem do voto dos que lá estão. E não resiste o Presidente, mesmo que o não quisesse e porque preso dentro de um absurdo sistema constitucional onde a sua base política maioritária não representa mais do que 15% do Congresso. E, por isso, não é apenas a Amazónia que todos os anos é esquartejada mais um pouco: nos últimos três anos, até a 'preservadíssima' Mata Atlântica - que outrora cobria todo o litoral brasileiro e entrava pelo interior, até ao coração de Minas, por exemplo - perdeu mais 100.000 hectares para a exploração pecuária.
No ano passado, houve um deputado norueguês que lançou o escândalo e a indignação nacionalista no Brasil, ao propor que a comunidade internacional, através das Nações Unidas, comprasse a Amazónia ao Brasil, para garantir a sua preservação. É preciso lembrar que a Amazónia não é apenas o território onde vivem algumas das últimas tribos de índios primitivos do planeta, não é apenas a maior reserva de diversidade de fauna e flora à face da terra, com inúmeras aplicações na medicina e outras áreas, não é apenas a maior bacia hidrográfica que se conhece: é também e sobretudo, um terço das reservas de oxigénio de todos os habitantes deste planeta. No dia que a Amazónia desaparecer, nós sufocamos: nós todos, e os brasileiros também.
Mas a proposta que tanto escandalizou o Brasil não é muito diferente, todavia, daquilo que Lula defende: é apenas menos imoral. Há dias, o Presidente brasileiro declarava o seguinte: "Não podemos aceitar o discurso dos países ricos que, enquanto produzem carros da melhor qualidade e comem da melhor qualidade, querem que a gente apenas preserve a floresta para eles terem o oxigénio que pensam que a Amazónia produz. Eles não podem querer que nós apenas preservemos para eles poderem respirar". Logo, concluía ele, "é preciso que os países, que já devastaram todas as suas florestas, comecem a pagar para que a gente preserve as nossas". Ele, Lula, "quer preservar a floresta, mas preciso cuidar dos 25 milhões de pessoas que vivem lá e que querem ter carro e geladeira". Este discurso é um clássico da demagogia terceiro-mundista. Os tais países ricos de que fala Lula - e que no passado, de facto, se comportaram com o Brasil como exploradores das suas riquezas - hoje são quem permite ao Brasil, mesmo em plena crise mundial, manter um superavit da balança comercial e do investimento externo. O que Lula propõe é que o resto do mundo pague ao Brasil para respirar - e porque Deus deu ao Brasil, entre tantas e tantas riquezas mal aproveitadas em benefício de tão poucos, essa imensa riqueza que é a Amazónia. Não é muito diferente do que propunha o deputado norueguês. Só que, enquanto este propunha comprar a Amazónia ao Brasil, Lula propõe apenas alugar o direito de respirar, mas salvaguardando o direito de tudo continuar na mesma, com o Brasil a roubar todos os anos um pouco mais de área à floresta, para que os 25 milhões de pessoas ou de votos tenham carro e 'geladeira'. E como para haver carros tem de haver estradas, o Governo brasileiro prepara-se para aprovar também o sinistro projecto da BR-319, uma via rápida que rasgará a Amazónia de sul a norte, a pretexto de não deixar Manaus isolada por terra do resto do Brasil.
E isto faz o Brasil, num momento em que os grandes predadores ambientais à escala planetária - os Estados Unidos e a China - já deram mostras de começar a levar a sério aquilo a que Lula chama displicentemente o "radicalismo ecologista". Obama está, aparentemente, a inverter de cima a baixo a política grosseiramente ignorante do patético George W. Bush, e os dirigentes chineses começam a aprender com os desastres ambientais causados por projectos megalómanos como a barragem das Três Gargantas e com um crescimento completamente desordenado e selvagem, que no futuro não muito distante haverá um alto preço a pagar por políticas que apenas olham aos interesses imediatos. A história do Brasil é uma sucessão de ciclos baseados numa aposta única em busca de um eterno eldorado que pudesse dispensar tudo o que fosse planeamento, crescimento sustentado, inteligência de gestão: o ciclo do algodão, o do ouro, o da borracha, o do café. Todos acabaram no desastre económico e social, por exaustão natural. É pena que a lição nunca mais seja aprendida.
Por Miguel Sousa Tavares in Expresso.pt - Segunda-feira, 15 de Jun de 2009
Tuesday, October 28
Ensaio sobre a Cegueira
Uma rua, um carro, um motorista, um instante... e nesse mesmo instante, um marco na vida, a aparição súbita de uma cortina sobre a sua visão e a dura percepção da realidade, estava cego! Não era a escuridão de uma cegueira normal, de facto agora para si, e para todos aqueles que se seguiram, tudo era branco. Um surto, uma epidemia, os especialistas chamaram-lhe cegueira branca... Assim começa, de forma resumida, uma das melhores obras literárias portuguesas, que após ter sido adaptada por Fernando Meirelles brevemente dará entrada nas salas de cinema nacionais.
Lançada no ano de 1995, Ensaio sobre a cegueira, foi o título eleito por José Saramago para alimentar o imaginário dos seus leitores. À semelhança de muitas outras obras do autor, esta encontra-se repleta de situações metafóricas e até hiperbolizadas que podem ser assemelhadas à realidade mundial, mais especificamente à realidade social, funcionando como um alerta para a degradação constante dos seus princípios. Assim, mais do que um livro acerca de um ataque de cegueira que assola a generalidade da população, é um livro acerca da vaidade, da luxúria, da descoberta, da criminalidade, da desordem, da hierarquização, da luta, do preconceito, da riqueza, do lucro, da mentira, do individualismo, da perda de uma inocência que jamais existiu...
Com Ensaio sobre a Cegueira, Saramago sacode o pó que se acumulou sobre a visão turva da sociedade e põe a descoberto a mais pura das realidades. Ao fechar os olhos à sociedade abre janelas, permitindo que pela primeira vez a pobreza das almas veja a luz do dia. Poderá mesmo dizer-se que é ao retirar-lhes a visão, que se mostra a verdade dos seus ideais ao mundo, como se de súbito cada personagem caísse num individualismo extremo e demonstrasse sem pudores aquilo que antes lhes ia na mente e agora lhes vai "nas mãos".
Porque quem não sabe é como quem não vê ou neste caso, quem não vê é como quem não sabe, e assim todas as acções, apesar de assumidas perante outrem, são dotadas de um certo secretismo, porque se acredita que ali todos estão na mesma situação, ninguém vê... e porque naquele momento já ninguém conhece ninguém.
Contudo, no que concerne à intenção aparente deste livro, aos géneros literários que aborda, não é a Crítica mas sim o Romance que ocupa o suposto lugar principal. Este, que é conseguido de forma soberba através do relato de uma mulher, a única que não perde a capacidade de ver, e que ao seguir a pureza do seu amor assiste à decadência de um mundo que sempre existiu mas que nunca ninguém o viu... É também, através da existência desta mulher que toda a narrativa se torna ainda mais coesa, sendo que é a sua capacidade de ver que permite o relato fiel e visual de todas as situações e são os seus valores que nos guiam enquanto consciência moral ao longo de todo o livro.
No que diz respeito à dificuldade sentida por alguns leitores, esta não se prende, com facto de ser ou não uma leitura pesada, mas sim com a capacidade de aceitação e interiorização de uma realidade que se encontra despida de ilusões fantasiosas e descrita de forma dura e crua, não poupando ninguém à crueldade e violência de algumas das suas passagens.
Com a aproximação da estreia do filme, que é já no próximo dia 13, e a controvérsia gerada, advinha-se um grito de liberdade, a genialidade e exuberância de um livro que irá saltar do abandono de uma das imensas prateleiras da Fnac para a desprestigiante e deveras desconhecedora preferência mundial.
Em suma, e para todos os que criam estereótipos dos romances renegando-os à partida, esta é a prova de que os romances podem ser e conter muito mais do que uma simples e detalhada história de amor! E se este não é também um hino ao amor pela alma gémea, é certamente um reparo ao amor pela vida e por todas aquelas que coisas que olhamos mas não vemos, que não vemos e por isso não reparamos!
*in ensaio sobre a cegueira
Saturday, October 25
Rita Carmo
Beleza criada através de uma fusão entre os artistas, as personagens dos artistas, e um ambiente externo fabricado. Exposição muda de uma personalidade invisível. São assim as fotografias de uma das mais conceituadas fotografas portuguesas, Rita Carmo. Desde 1992 a fotografar pessoas, aperfeiçoou ao longo dos tempos a sua arte e as suas técnicas, criando fotografias dotadas de uma nudez psicológica (real ou imaginária) que prende o mais simples olhar. Fotografias que enchem as páginas de várias publicações periódicas, que já enriqueceram as paredes despidas das mais variadas salas de exposição, que em 2005 deram origem a um livro, as mesmas fotografias que já viajaram e ganharam vida na mente dos seus observadores. Meras tentativas de interpretação do imaginário e do real. Sem ser a genialidade de Annie Leibovitz, é o que, por cá, temos de mais parecido!!
Para ver e rever, os sites da Fotografa:
http://ritacarmo.blogspot.com/
http://ritacarmoaovivo.blogspot.com/